Os taxistas londrinos têm estratégias mentais especializadas para navegarem com perícia pelas ruas da sua cidade, concluem cientistas
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Os taxistas londrinos têm estratégias mentais especializadas para navegarem com perícia pelas ruas da sua cidade, concluem cientistas


Uma equipa internacional de cientistas, incluindo o investigador principal de um laboratório de neurociências da Fundação Champalimaud, em Lisboa, analisou a forma como os taxistas experientes de Londres planeiam antecipadamente a sua rota sempre que apanham passageiros. É a primeira vez que um estudo sobre o planeamento mental humano é realizado num ambiente à escala do mundo real. Os resultados foram publicados hoje (23 de Janeiro) na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

Os taxistas licenciados de Londres não são desconhecidos da investigação: há cerca de 25 anos, descobriu-se que tinham uma caraterística cerebral distinta devido à sua experiência de navegação no espaço urbano londrino. De facto, o volume do seu hipocampo, uma estrutura do cérebro que desempenha um papel importante na aprendizagem e na memória, é diferente do das pessoas que não conduzem táxis.

O novo estudo centrou-se nas estratégias de planeamento dos taxistas no exercício da sua profissão. “Os navegadores experientes conseguem planear rotas de forma eficiente e rápida em ambientes enormes e complexos tais como as cidades”, escrevem os autores no seu artigo. “Mas a maioria dos estudos realizados até à data foi feita em ambientes abstractos e/ou de pequena escala, com participantes não-especializados. Aqui, ultrapassámos estes desafios pedindo aos taxistas londrinos – famosos pelo seu elevado conhecimento da rede de ruas de Londres, composta por mais de 26.000 ruas – para planearem rotas em Londres.”

“As cidades são o epítome da complexidade do planeamento em ambientes reais”, afirma Pablo Fernandez Velasco, da Universidade de York, primeiro autor conjunto do estudo. “Se considerarmos o planeamento de um caminho numa grande cidade que, entre o início e o destino, envolve 30 ruas, a utilização de um algoritmo de pesquisa em árvore teria de avaliar mais de mil milhões de potenciais sequências de ruas.” Parece óbvio que os seres humanos não utilizam um algoritmo deste género para escolher o seu percurso.

Tempo para pensar, tempo para nomear ruas

Os investigadores analisaram os tempos de resposta dos taxistas – “enquanto indicador dos tempos de raciocínio” – para determinar como estes condutores organizavam racionalmente o seu processo de planeamento de percursos.

“O nosso objetivo era compreender como os humanos experientes fazem planos em situações muito complexas”, diz Daniel McNamee, líder de grupo do Laboratório de Inteligência Natural da Fundação Champalimaud e um dos autores principais do estudo. “Também queríamos comparar peritos humanos com algoritmos de IA. A nossa hipótese era que os humanos estavam de alguma forma a fazer algo diferente. Os algoritmos de IA não conseguem explicar o comportamento que os humanos experientes exibem neste tipo de situação.”

Os taxistas londrinos são uma população humana única, em particular porque quando treinam para obter a sua licença não lhes é permitido utilizar ferramentas de ajuda como o Google Maps; têm de confiar apenas nas suas capacidades de armazenamento e recuperação de memórias para navegar eficazmente pelas dezenas de milhares de ruas da cidade.

“São um grupo único quando se pretende responder a questões como a forma como os seres humanos experientes organizam a sua memória, que representações internas utilizam ou como recuperam partes da informação na sua memória”, explica McNamee. “E isso dá-nos uma janela única para o mais alto nível de tomada de decisões humana, representação e processamento de conhecimentos.”

Uma dificuldade essencial foi conseguir acesso aos taxistas. Hugo Spiers, Professor de Neurociência Cognitiva no University College London (UCL) – o outro coautor sénior do estudo – passou 20 anos a estudar os seus cérebros, mas agora tratou-se de analisar as suas capacidades de planeamento. “Estes taxistas são famosos pelo tamanho acrescido do seu hipocampo posterior”, afirma Spiers. “Agora, graças à colaboração entre o UCL e a Champalimaud, revelámos como é que eles utilizam esse cérebro aumentado”.

A equipa deu a um grupo de 43 taxistas um local de partida em Londres e um local “meta”. A seguir, foi-lhes pedido que enunciassem verbalmente a sequência de viragens e ruas que lhes permitiriam ir da origem ao destino da rota. “Trata-se de uma tarefa muito familiar para estes motoristas de táxi experientes porque, durante a sua formação profissional especializada, são testados em muitas destas combinações de partida-objetivo antes de obterem a sua licença de taxista”, salienta McNamee.

Para cada percurso (havia 315 possíveis), os investigadores mediram, para cada taxista, o tempo de resposta entre a apresentação da tarefa e a primeira elocução de um nome de rua. Chamaram-lhe “tempo de reflexão offline”: corresponde à fase durante a qual o taxista considera, em silêncio, o trajecto que vai fazer. De seguida, mediram os tempos entre cada nome de rua ou viragem enunciado pelos motoristas, a que chamaram “fase online”.

Organizar as decisões sobre um trajecto

Uma das coisas que a equipa queria estudar era que decisões os taxistas tomavam sobre o seu percurso durante o tempo de reflexão offline. “Uma possibilidade”, diz McNamee, “era que organizassem as suas decisões na sequência de ruas e cruzamentos que iam encontrar fisicamente durante a viagem – a primeira coisa em que pensariam seria a primeira rua que vão apanhar, depois a segunda rua, a terceira rua, e assim sucessivamente”. Isto implicaria serem mais lentos a nomear as ruas seguintes ao longo do percurso.

Os resultados contradizem esta hipótese. O que sugerem é que “durante o tempo de pensamento offline, os taxistas dão prioridade a partes de alta complexidade e não-locais do espaço londrino”, continua McNamee. “Parecem saltar imediatamente para a descoberta de uma estrutura global de ordem superior [da rota], com base em junções críticas, utilizando a estrutura física de Londres.” A expressão técnica para isto é “pré-armazenamento em cache não-local de junções críticas” (em inglês, “non-local precaching of critical junctions”). E depois, “uma vez feito isso, começam a verbalizar e a preencher os restantes pormenores”.

Os taxistas também demoraram mais tempo a pensar nas ruas mais longas de Londres. “Isto sugere que têm uma consciência espacial da estrutura física real de Londres, por oposição a um tipo de representação mais abstrata em que as distâncias não seriam tidas em conta”, salienta McNamee.

“Fiquei surpreendido com este resultado”, afirma. “Esperava que os taxistas tivessem uma noção espacialmente menos personificada do espaço londrino. Não esperava que o comprimento da rua no mundo real os fizesse abrandar, mas que tivessem uma noção mais abstrata [da sua cidade]. Mas talvez o facto de terem esta consciência espacial mais incorporada seja útil para um planeamento mais flexível, onde podem ter em conta se uma rua é normalmente mais movimentada do que outra a determinada hora do dia – codificando ainda todo o tipo de variáveis espaciais adicionais e integrando-as no seu pensamento. No entanto, isto é algo que não abordámos especificamente no nosso estudo”.

“Este resultado está em linha com os resultados de estudos anteriores”, diz Pablo Fernandez Velasco. ”Os taxistas referiram que, quando têm de planear um percurso, por vezes imaginam-se a percorrê-lo, tanto de uma perspectiva aérea como de uma perspectiva na primeira pessoa. Ora se eles estão a imaginar, em certa medida, o espaço físico, faz sentido que o comprimento de cada segmento de rua no trajecto tenha um impacto na duração do seu planeamento.”

Uma ordem diferente de prioridades no espaço londrino

Em suma, os taxistas especializados de Londres dão prioridade a ruas e cruzamentos importantes, a fim de determinar uma estrutura mais global da corrida. “O que vemos nos taxistas é que consideram o espaço fora da ordem em que o vivenciariam no mundo real”.

“Se no início passarem algum tempo offline a pensar de forma diferente, então vão ser muito mais rápidos a dizer os nomes das ruas durante a fase online”, acrescenta McNamee. Esta é claramente uma forma de pensar muito mais eficiente do que uma simples estratégia sequencial.

O que é que McNamee considera ser o resultado mais interessante deste trabalho? “Penso que é o facto de termos sido capazes de identificar e prever que, durante o tempo de pensamento offline, quando os taxistas estão a pensar intensamente em silêncio, eles dão prioridade a cruzamentos e ruas de Londres altamente complexos e espacialmente remotos”, responde. “Isso nunca tinha sido demonstrado em peritos humanos – decisores ou planeadores – naquilo a que eu chamaria uma tarefa ecologicamente válida para eles, ou seja, uma tarefa que realizam todos os dias.”

“De facto, o que estávamos a estudar aqui era uma espécie de intuição humana especializada, um sentido inato daquilo em que se deve pensar mesmo antes de se começar a pensar nisso, de certa maneira”, pondera. “É uma área de interesse fundamental noutros trabalhos que realizamos no meu laboratório acerca do raciocínio intuitivo humano”.

Uma coisa parece certa, de acordo com McNamee: os peritos humanos têm uma estratégia algorítmica qualitativamente diferente dos sistemas de IA. No entanto, os algoritmos de IA poderão beneficiar, no futuro, dos resultados sobre a forma como os especialistas humanos pensam. “Poderão beneficiar, diria, de duas formas”, explica. “Uma tem a ver com um planeamento mais flexível, especialmente quando há muitas caraterísticas e dinâmicas ambientais que têm de ser tidas em conta”.

“A outra seria integrar a informação sobre os peritos humanos nos algoritmos de IA concebidos para colaborar com os humanos. Este é um ponto muito importante, porque se quisermos optimizar a forma como um algoritmo de IA interage com um humano, o algoritmo tem de 'saber' como o humano pensa.”

“E isso é algo a ter em conta”, conclui McNamee.

https://doi.org/10.1073/pnas.2407814122
Attached files
  • Um taxista enuncia os nomes das ruas e das viragens do seu percurso enquanto este vai aparecendo no mapa (Crédito: Iva Brunec)
  • Todos os trajectos planificados pelos taxistas em Londres (Crédito: Pablo Fernandez Velasco et al., PNAS)
  • Uma imagem figurativa da representação mental de Londres na mente de navegadores experientes. A altura de cada “edifício” amarelo representa o tempo de reflexão dos taxistas nesse local (Crédito: Iva Brunec)
Regions: Europe, Portugal
Keywords: Science, Life Sciences

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