Investigadores analisaram os neurónios D1 e D2 de ratinhos para entender como codificam e respondem a estímulos atrativos e aversivos. O estudo revelou que, ao contrário do que se pensava, estes neurónios não são funcionalmente opostos, mas sim complementares, e tendem até a trabalhar juntos, embora de forma diferenciada. Conhecer esta dinâmica é fundamental para a compreensão de doenças como o stress pós-traumático ou a depressão.
O cérebro humano contém bilhões de neurónios que recebem continuamente informação e estímulos do exterior. Para a tomada de decisões, os neurónios avaliam a cada momento se o estímulo é positivo ou negativo. Caso seja positivo, há uma tendência à aproximação, enquanto se for negativo surge uma reação de aversão, o que ajuda a garantir a sobrevivência. O núcleo accumbens (NAc) do cérebro tem um papel central no processo de avaliação e catalogação dos estímulos, mas a forma como as populações neuronais D1 e D2 do NAc codificam os estímulos atrativos ou aversivos ainda não é totalmente compreendida.
Para aprofundar o conhecimento nesta área, uma equipa de investigadores coordenada por Ana João Rodrigues e Carina Soares-Cunha (
ICVS, U.Minho), com o apoio da
Fundação BIAL, estudou os neurónios D1 e D2 do NAc para entender como distinguem estímulos e influenciam a aprendizagem. Ao seguirem em tempo real centenas de neurónios em ratinhos expostos a estímulos atrativos e aversivos, os investigadores demonstraram pela primeira vez que D1 e D2 responderam em conjunto a ambos os estímulos.
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Dynamic representation of appetitive and aversive stimuli in nucleus accumbens shell D1- and D2-medium spiny neurons, publicado na revista científica
Nature Communications, os investigadores revelam que, com recurso à imagem avançada em ratinhos, puderam observar que durante a aprendizagem associativa, ou seja, quando um estímulo é associado a uma recompensa ou punição, ambos os tipos de neurónios são ativados e trabalham juntos, mas fazem-no de maneira diferente. Quando as associações mudam, como quando um estímulo negativo deixa de ter uma consequência desagradável, os neurónios D2 são essenciais para extinguir essa associação aversiva.
“Uma vez que as dificuldades em modificar associações negativas estão ligadas à ansiedade e ao stress pós-traumático, compreender melhor a função dos neurónios D2 pode ajudar a desenvolver novos tratamentos”, explica Carina Soares-Cunha. “Um mesmo estímulo externo pode provocar reações muito distintas dependendo do contexto do indivíduo e das suas memórias. Por exemplo, o som de fogo de artifício pode evocar celebrações e alegria, mas para um ex-militar pode desencadear uma crise de ansiedade, trazendo-lhe lembranças de guerra, mesmo que se encontre num ambiente seguro", exemplifica.
Este estudo vem demonstrar a capacidade que o cérebro tem para reclassificar constantemente estímulos externos com base em experiências anteriores e adaptar-se a novas situações, comprovando ao mesmo tempo a complexidade dos circuitos neuronais envolvidos nesse tipo de memórias.
O trabalho contou com a parceria de Rui Costa e Gabriela Martins, da Universidade de Columbia e do Allen Institute (EUA). Além da Fundação BIAL, a investigação foi co-financiada pelo Conselho Europeu de Investigação, Fundação la Caixa, e Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Saiba mais sobre o projeto “175/20 - The role of nucleus accumbens in the perception of natural rewards”
aqui.